- BERTE, Marccella Lopes Instituto Federal de Brasília – IFB *
- FRANÇOSO, Renata Dias Instituto Federal de Brasília – IFB
Palavras-chave: mudança climática, agricultura familiar, Cerrado, agroecologia
Cientistas de várias partes do mundo afirmam que está ocorrendo uma mudança no clima. Segundo a Organização das Nações Unidades – ONU, mudança climática é qual-quer alteração no clima que tenha, direta ou indiretamente, interferência da atividade humana, modificando a composição da atmosfera global, e que seja adicional à variabilidade climática natural observada em períodos de tempos comparáveis (UNCCC, 1992).Sabemos que a agricultura provoca algumas das principais discussões no âmbito da mudança do clima. O aquecimento global está afetando a biodiversidade, com base na limitada capacidade de dispersão das plantas frente às aceleradas mudanças climá-ticas, a perpetuação das espécies é uma questão preocupante (FRANÇOSO, 2016).
Sabemos também que a mudança do clima afeta negativamente a população mundial, em especial, as populações mais pobres, pois provoca ações em proporção maior que suas capacidades de responder a essas mudanças (PETTENGELL, 2010). Alguns au-tores, afirmam que as pequenas explorações agrícolas são mais resistentes à mudan-ça climática, pois muitas comunidades rurais apesar das flutuações do clima parecem capazes de enfrentar os extremos climáticos (ALTIERI, 2010).O Brasil instituiu o seu Plano Nacional de Adaptação à Mudança Climática (PNA), em 2016, para promover a redução da vulnerabilidade nacional à mudança do clima e realizar uma gestão do risco associada a esse fenômeno (BRASIL, 2016). Um dos objetivos do PNA engloba orientar a ampliação e disseminação do conhecimento cien-tífico, técnico e tradicional. Nessa direção, podemos considerar a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e seu respectivo Plano – PLANAPO, como um im-portante instrumento na contribuição da estratégia brasileira de adaptação à mudança climática (BRASIL, 2012).Para refletirmos sobre a resiliência socioecológica é preciso outro entendimento, o de resiliência social, entendida aqui como a capacidade das comunidades de gerarem uma infraestrutura social capaz de superar choques extremos. Portanto, a resiliência socioecológica, no contexto da mudança climática é a capacidade de influenciar e res-ponder à mudança climática com acesso aos bens naturais, à biodiversidade, articula-ção política e a geração de infraestrutura social necessárias para superar os Desafios futuros (ESTRADA et al, 2013).Nesse trabalho abordaremos o bioma Cerrado que possui diversas espécies de plan-tas com potencial econômico. Espécies como o pequi, o baru, a mangaba, a cagaita, o buriti, o jatobá, dentre outras, podem ser comercializadas in natura ou industrializa-das. Como coleta de produtos espontaneamente produzidos na natureza por um ciclo biológico sem intervenção humana, a atividade extrativista no Cerrado contribui para a manutenção da biodiversidade. Ao mesmo tempo também contribui com a atividade econômica familiar (AFONSO, 2008).O baru (Dipteryx alata Vogel) é uma espécie procurada principalmente pela sua amên-doa, conhecida como castanha de baru. A coleta de sementes (amêndoa) é entre os meses de julho a outubro, dependendo da localidade. Um estudo apontou que, na co-munidade de Caxambu, em Pirinópolis-GO, algumas árvores de baru chegam a produ-zir de 7.000 a 8.500 frutos em anos produtivos. Para tanto, as populações extrativistas vão até fazendas coletar o baru no regime de mutirão e ganham pelo dia de trabalho. As famílias recebem em média entre um e dois salários mínimos por mês e possuem um baixo nível de escolaridade (NEPOMUCENO, 2006).Além de boa produtividade, o baru tem várias utilidades, entre elas: alimentícia, forrageira, medicinal, industrial, recuperação de áreas degradadas, paisagismo e madeireira. O baru está ameaçado devido à qualidade e reconhecido de sua madeira. A árvore também possui uma função ecológica relevante, pois seus frutos são consumidos por animais (pastagem) e suas flores visitadas por abelhas sem ferrão e Apis mellifera (NEPOMUCENO, 2006).Dada a relevância do assunto esse estudo tem como objetivo contribuir para a compreensão da resiliência socioecológica da extração do baru (D. alata), por agricultores(as) familiares, no bioma Cerrado. Para isso avaliamos sua distribuição geográfica potencial no futuro, destacando possíveis contribuições da agroecologia nesse contexto.
Métodos
A Metodologia utilizada neste trabalho foi o desenvolvimento de modelagem de nicho climático para a espécie D. alata, conhecida como barueiro. O algoritmo utilizado para a modelagem foi o Maxent versão 3.3.3k (PHILLIPS et al; 2006). O Maxent é um algo-ritmo de inteligência artificial que combina diversas variáveis ambientais, e usando as coordenadas de registros conhecidos estima a distribuição de uma dada espécie para o presente (ano 2000), retratando seu nicho climático. O nicho climático é então ex-trapolado para o clima modelado para uma data futura, no caso 2050, de acordo com modelos climáticos desenvolvidos.Foi realizada uma busca por coordenadas conhecidas para o barueiro (D. alata). No site SpeciesLink. Foram recuperados 772 registros encontrados para essa espécie.As variáveis bioclimáticas utilizadas foram baseadas em temperatura e precipitação. Esses dados, em formato raster com resolução 5Km (disponíveis em http://www.worl-dclim.org) são gerados, por meio da interpolação da média dos dados climáticos men-sais de estações climáticas no período de 30 (1960-1990) a 50 anos (1950-2000), de acordo com sua disponibilidade. As projeções das variáveis climáticas futuras (2050) foram baseadas nos modelos HadGEM2, no cenário de projeções de trajetórias de concentrações de gases de efeito estufa de 8,5, considerado tendencial.
Resultados e discussões

–a) Mapas gerados pelo Maxent com a distribuição potencial
da espécie D.alata na América do Sul; b) Distribuição potencial do D.
alata, no ano de 2050; c) Áreas de acréscimo (verde) e diminuição
(vermelho) da distribuição do nicho climático de D. alata.
Conforme o mapa (Figura 1c) gerado pelo Maxent, o status da distribuição potencial do D. alata (baru) aumenta 1.471.635 km² enquanto a diminuição das áreas é de 183.428 km². O resultado da modelagem sobre a distribuição potencial do baru no ano de 2050 foi um aumento de 1.288.206 km² de área potencial para o seu desenvolvimento, com destaque para os estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará, São Paulo e Minas Gerais no Brasil.A adequabilidade climática da espécie na proporção maior que 75%, ou seja, com alta adaptação ao clima, pode ser vista na cor vermelha nos dois primeiros mapas da distribuição potencial da espécie (Figuras 1a e 1b). Nota-se que em alguns estados ela é estável, como em Goiás e no Mato Grosso do Sul. Observando os mapas, nota-se também que essa alta adequabilidade é ampliada em 2050 para diversos outros es-tados. Mas há diversos locais onde ela também é reduzida. No mapa (Figura 1c) que mostra o status da distribuição potencial da espécie fica nítido que ela mais aumenta que diminui.O deslocamento do nicho climático do baru segue o esperado para o deslocamento do nicho climático do Cerrado como um todo, que têm previsão de acréscimo de cerca de 2,8 milhões de km² para cerca de 4,0 milhões de Km2 (FRANÇOSO, 2016).
Inicialmente podemos perceber algumas conseqüências desse deslocamento da dis-tribuição do baru para as populações locais. Como os locais que em 2050 o clima será mais ou menos favorável para o desenvolvimento do baru. Por exemplo, na região Nordeste (Figura 1b), poderá ocorrer a inviabilização da extração do baru, pois nesta região há mais lugares em que o status da distribuição potencial da espécie mais diminui do que aumenta. Entretanto nos estados de Rondônia e no norte do Mato Grosso, onde o status da distribuição mais aumenta do que diminuí as populações locais que ainda não vivem dessa atividade econômica poderão desenvolvê-la.O que pode ser feito nos próximos anos nesses locais com alteração positiva de status, é o plantio de mudas da D.alata, de forma integrada a estratégias produtivas consorcia-das, segundo preceitos da agroecologia. Por exemplo, sua sombra pode fazer sombra para proteger as plantas contra as flutuações extremas do microclima e conservar umidade do solo apoiando a produção de alimentos; se houver a falta de alimentos, o baru pode servir de alimento, inclusive para os animais; sua florada pode apoiar a produção de mel na ausência da florada de outras espécies. Já onde há uma alteração negativa de status, há uma ameaça de extinção da espécie e conseqüentemente do extrativismo do baru e são necessárias ações que visem à adaptação às mudanças do clima, que levem em consideração que essas populações também estão em situação de vulnerabilidade social.A espécie D. alata mostrou-se resistente às mudanças climáticas. No entanto, a resiliência é um conceito mais amplo, que aborda, por exemplo, acesso aos recursos naturais. Retomando o exemplo da comunidade de Caxambu, embora não seja um local onde a alteração de status é negativa, a população é vulnerável do ponto de vis-ta social, pois os barueiros estão dentro de uma propriedade privada, os extrativistas possuem baixa renda e baixo nível de escolaridade, por isso não podemos afirmar se terão condições de influenciar e responder à mudança climática de forma resiliente. Esses outros fatores devem ser levados em consideração para considerar a resiliência das espécies.
Conclusão
O baru é um exemplo de uma espécie resistente ao aquecimento global. Há regiões no Brasil em que sua adequabilidade climática aumentará levando a uma favorável análise sobre o futuro do seu extrativismo. No entanto, não é possível concluir que o extrativismo do baru é resiliente à mudança climática devido à complexidade do conjunto de impactos que ela pode causar na vida dos agricultores familiares extrativistas. Na perspectiva agroecológica a utilização do baru em consórcios agrosilvopastoris pode ser interessante, pois essa é uma espécie adaptável a mudança do clima e contribui com a resiliência socioecológica de agricultores familiares do Cerrado brasileiro.
Referências Bibliográficas
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Publicado originalmente emAssociaçãoBrasileiradeAgroecologia-ABA-anaisdoVICongressoLatino-americanodeAgroecologia;XCongressoBrasileirodeAgroecologia,VSemináriodeAgrocologiadoDistritoFederal-12a15desetembrode2007.